DOSIER

ENSAYO

A epistemología cultural no Peru: por um futuro qualitativo holístico

La epistemología cultural en el Perú: por un futuro cualitativo holístico

Janina Moquillaza-Sánchez 1,a


1 Universidad Nacional de Trujillo, Trujillo, Perú.

a Pós-Doctor en Educación-Universidad de São Paulo.

 


Recibido: 12-11-2023

Aceptado: 18-12-2023 

Publicado en línea: 03-01-2024


 

Citar como: Moquillaza-Sánchez J. (2024). La epistemología cultural en el Perú: por un futuro cualitativo holístico.

Desafíos, 15(1):72-8. https://doi.org/10.37711/desafios.2023.15.1.418


RESUMO

Esta reflexão teórica hermenêutica cultural, (Gilbert Durand, 2002), objetiva evidenciar a problemática da produção científica de pós-graduação em Ciências Humanas e Sociais, e da Saúde no Peru, ao preservar o racionalismo moderno, a lógica do método quantitativo de pesquisa. Como observado na trajetória antropológica, mantémse o positivismo vivo, fechado à complexidade da vida contemporânea. Metodologicamente, analiso quatro experiências, entre 2005 e 2023, em universidades públicas, as quais seguem as diretrizes da SUNEDU. A reflexão teórica recorre a Bachelard (1996) seu conceito de "obstáculo epistemológico"; a Quijano (2014) e sua ideia de descolonização intelectual; a Michel Maffesoli (2005) sobre a lógica sensível e a Corinne Enaudeau (1999) sobre a representação, atualizando o conceito de esquizofrenia social de Janina Sanchez, (2007). Proponho adotar a pesquisa qualitativa integral holística com princípios da cosmovisão andina, a solidariedade Yanapay e o Allin Kawsay, bem-viver espiritual.

Palavras-chave: epistemologia cultural; hermenêutica cultural; yanapay; allin kawsay.


RESUMEN

Esta reflexión teórica hermenéutica cultural (Gilbert Durand, 2002) tiene como objetivo evidenciar la problemática de la producción científica de posgrado en Ciencias Humanas, Sociales y de Salud en el Perú, al mantener el racionalismo moderno y la lógica del método cuantitativo de investigación en esas áreas. Según lo observado en la trayectoria antropológica, se mantiene el positivismo vivo, cerrado a la complejidad de la vida contemporánea. Metodológicamente, analizo cuatro experiencias, entre 2005 y 2023, en universidades públicas que siguen directrices de la SUNEDU. Para la reflexión teórica, recurro a Bachelard (1996) en su concepto "obstáculo epistemológico"; también a Quijano (2014), en su idea de descolonización intelectual; a Maffesoli (2005), sobre la lógica sensible y Corinne Enaudeau (1999), sobre la representación, actualizando el concepto de esquizofrenia social de Janina Sanchez (2007). Propongo adoptar la investigación cualitativa integral holística con principios de la cosmovisión andina, la solidaridad Yanapay y el Alli Kawsay, o bien vivir espiritual.

Palabras clave: epistemología cultural; hermenéutica cultural; yanapay; allin kawsay.


ABSTRACT

This cultural hermeneutic theoretical reflection (Gilbert Durand, 2002) has the objective to highlight the issue of postgraduate scientific production in Human, Social, and Health Sciences in Peru, by perpetuating modern rationalism and the logic of quantitative research methods in these fields. As observed in anthropological trajectory, positivism remains alive, closed to the complexity of contemporary life. Methodologically, I analyze four experiences between 2005 and 2023, in public universities following SUNEDU guidelines. For theoretical reflection, I turn to Bachelard (1996) and his concept of "epistemological obstacle"; also Quijano (2014) with his idea of intellectual decolonization; Maffesoli (2005) on sensible logic, and Corinne Enaudeau (1999) on representation, updating the concept of social schizophrenia by Janina Sanchez (2007). I propose adopting comprehensive holistic qualitative research with principles of Andean cosmovision, Yanapay solidarity, and Alli Kawsay, or spiritual living.

Keywords: cultural epistemology; cultural hermeneutics; yanapay; allin kawsay.


INTRODUÇÃO

O objetivo desta reflexão teórica hermenêutica cultural, é evidenciar a problemática da produção científica de pós-graduação em Ciências Humanas e Sociais, no Peru, que enfatiza a preservação do racionalismo moderno, o dualismo, o exato, imutável, ainda sendo a quantificação a única metodologia usada nas áreas de Ciências Humanas e Sociais, mantendo o positivismo vivo, fechado à compreensão da complexidade da vida contemporânea.

Nesse sentido, a base desta discussão é a epistemologia bachelardiana, seu conceito de obstáculos epistemológicos e a superação relativa à aprendizagem e à vivência do conceito.

Com vistas ao futuro e lembrando a teoria do antropólogo polaco-britânico Malinowski (1884-1942) de que o fenômeno cultural que queremos estudar é como a ponta de um "iceberg" (apud Laplantine, 2017), que o pesquisador precisa mergulhar no profundo do mar ou no profundo da cultura, para conhecer as raízes e conexões que sustentam o iceberg e, sabendo que todas as universidades públicas do país seguem as mesmas diretrizes determinadas pela SUNEDU-Superintendência Nacional de Educação Superior, reflexiono sobre quatro momentos de experiências que desenvolvi como docente visitante e mediadora em universidades públicas peruanas, em ocasiões diferentes.

No primeiro período, 2005-2007, como docente de epistemologia e metodologia da pesquisa no mestrado e doutorado em Educação e Saúde Pública, na Universidade Pública "A", na capital do país, deparei-me com o fato de cem por cento dos alunos nunca terem feito pesquisa qualitativa integral, holística. Chamei-lhes a atenção para a insuficiência da lógica de quantificação, do racionalismo moderno e propondo passar a investigar pelo método qualitativo holístico - na etimologia da palavra grega holos, completo, integral, Em consequência, gerando surpresa pela humanização que o método propicia. As duas vivências, na universidade pública "A" e na universidade pública "B" também ao sul do país, no mesmo período, resultaram nas reflexões que apresentei durante o II Congresso de Educação Médica Peruana, em Trujillo, Peru, em 5 de dezembro de 2007, com título "Conflito epistemológico: Desafio à idea de autonomia social e à reformulação do currículo de pós graduação em salud pública.

Quatorze anos depois, em 2021 na região de Ica, encontrei-me com professores da rede pública escolar que igualmente nunca tinham realizado pesquisa qualitativa integral. Nesse intervalo, o que aconteceu nas interações com o meio cultural epistemológico? Nos últimos vinte anos a vida política foi conturbada, individualista e foram pelo menos 23 os ministros da educação. Após oferecer e mediar um seminário virtual de 4 meses, socializei minhas reflexões no livro "Ciência holística en la Educação", publicado em 2022 pela UGEL-Unidad Regional de Educação, Ica, no capítulo "Pela mudança epistemológica cultural no Peru.

Ainda em 2021, na universidade pública "C", ao sul do Andes peruanos, encontrei o mesmo fenômeno entre os professores e decidi oferecer um curso-oficina de 200 horas. Mediando teorias e reflexões sobre a práxis investigativa, e juntamente com dois colegas de Huamanga, publicamos na revista E-Curriculum (2022), o artigo Currículo e crise epistemológica cultural: de Prometeo ao Allin kawsay andino. Ou seja, eu percebia que a solução estava ali mesmo, na filosofia nativa, holística, e na epistemologia ancestral. Também em 2021, no III Congresso Internacional de Pesquisa de Pós graduação em Educação, ofereci a conferência "Pesquisa holística na posmodernidade". Perguntando: quais os significados dados à Modernidade atualizada? O que tem mudado para chamar-se Pós modernidade e inclusive modernidade líquida? (Bauman, 2005). Esta reflexão publiquei no livro "Pesquisa qualitativa: epistemologias, práxis e instrumentos", editado pela RIPE - Rede de Pesquisa de Pós Graduação em Educação, em 2022.

Na universidade pública ao norte do país, de 2022 a 2023, como docente visitante, encontrei a mesma epistemologia cultural fechada, moderna, conservadora e nenhum professor realizando a pesquisa qualitativa integral. Recorrendo aos fundamentos teóricos de Gaston Bachelard (1996), em seu conceito "obstáculo epistemológico", analiso a seguir como se verificavam e repercutiam esses obstáculos no caso do fazer científico peruano e diante de outros fatores como a globalização econômica (Manuel Castells, 2002a; 2002b; 2003a; 2003b; 2006; 2007); o ultraliberalismo (Christian Laval e Pierre Dardot, 2016), a descolonização intelectual (Aníbal Quijano, 2014). Com base em Gilbert Durand (2002), sua teoria e metodologia hermenêutica cultural, busquei desvelar fatores simbólicos interferentes (Bourdieu, 2013; 2014; 2015; 2018; 2021), em detrimento da trajetória epistemológica cultural.

A discussão teórica

Considero que o dano central para as ciências humanas está no que deixa de ser observado, refletido: a própria humanidade. Ou seja, código de ética em jogo no meio universitário, normas, regras, cujos sentidos não podem ser quantificados, assim como o racismo às pessoas negras e aos nascidos nas serras dos Andes, preconceitos quanto às linguagens originais, quéchua, aymara, preconceitos de religião, homofobia, o machismo tolerado no assédio moral e sexual, o bullying, a misoginia, o ódio ideológico.

Em novembro de 2023, pesquisando na plataforma RENATI - Registro Nacional de Trabalhos de Pesquisa, encontro no repertório de teses os mesmos resultados quantitativos, e nas pesquisas chamadas "qualitativas" o resultado é quantificado. Ou seja, aquele mesmo tipo de esquizofrenia social a que me referi no Congresso Médico de 2007, a fragmentação da percepção dos fatos cotidianos, o desconhecimento de si mesmo, das redes de relações entre as estruturas antropológicas do imaginário sócio-político-econômico-cultural, a não percepção dos sistemas dos quais a educação faz parte, a não valorização da própria história, o ignorar das epistemologias de civilizações ancestrais peruanas até 5.000 anos a. C.

A quem pode interessar manter o currículo assim fragmentado? Como explica o estudo do psiquiatra suíço Eugen Bleuler (1857-1939) que criou o termo "esquizofrenia" (esquizo = divisão, phrenia = mente), e como cita Mário Pereira (2000), compreendi que as consequências éticas para a responsabilidade social e a educação são graves. Também nas palavras do filósofo alemão Walter Benjami:

"A importância única de Baudelaire consiste no fato de ele ter sido o primeiro - e da maneira mais imperturbável possível - a apreender o homem estranho a si mesmo no duplo sentido da palavra - ele o identificou e o muniu de uma couraça contra o mundo coisificado". (2007, p.366.)

De fato, o impacto causado pelo processo de colonização na educação, as inúmeras violências simbólicas aos docentes e alunos, pelo Positivismo e a coisificação da vida, o ressentimento dos professores e a fragilidade teórica no discurso, tem transformado as certezas do passado em ancoragem para as incertezas do presente, e o desprezo do Estado transformou-se em indignação. Insisto na fonte de esperança de nossas ações de yanapay - princípio filosófico andino que significa solidariedade, visando chegar ao allin kawsay ou bem viver espiritual para todas e todos.

Walter Benjamin dizia sobre os caminhos de passagem: "Quanto mais a vida é submetida a normas administrativas, mais as pessoas precisam aprender a esperar. O jogo de azar tem o grande fascínio de liberar as pessoas da espera" (2007, p.159). Apostei na mudança epistemológica cultural, dando a disciplina Metodologia da pesquisa qualitativa nos cursos de pós graduação em Educação, cursos e oficinas de introdução aos tipos etnográfica, etnográfica-participativa, estudo de caso e pesquisa-ação. Assim foi possível organizar grupos que realizaram trabalhos colaborativos interdisciplinares e transdisciplinares, influindo na didática e na ética pedagógica. Sendo grupos muito conservadores, a resistência inicial deveuse à proposta de mudança do costume de seguir um líder, acreditar que professores devem competir e o sentido muito frouxo de comprometimento e consequências.

De maio a dezembro de 2023, na Universidade Pública "D", ao norte do país, realizei o curso de especialização "Pesquisa qualitativa holística: assessoramento e coordenação de grupos de estudo e pesquisa"de 384 horas ou seis meses. Após as fortes resistências previstas, percebi que, assim como o receio acontece no processo dos locais de passagem, os participantes foram encontrando e aceitando os novos rumos disponíveis, realizaram projetos, escreveram artigos, compartilharam propostas de ação didático pedagógica, adotando o conceito "qualitativo holístico" para referir-se às pesquisas sobre a complexidade da vida cotidiana.

Na etimologia da palavra, "episteme", conhecimento, e "logos", discurso, a ciência da ciência, ou a filosofia da ciência, teoria do conhecimento, princípios, regras, normas das diversas maneiras de fazer ciências. Nesse sentido, refirome ao epistemólogo Gaston Bachelard (1884-1962) que ao analisar o progresso do conhecimento científico, lançou o conceito "obstáculo epistemológico" para referir-se a problemas na relação dos pesquisadores com os objetos ou sujeitos de estudo, devendo ser superados para que ocorra o avanço do saber.

Em sua obra "A formação do espírito científico" (1996), Bachelard deu exemplos: 1. No caso de se usar a primeira observação, ou seja, quando tem- se a intenção de compreender o real a partir da observação imediata de um fato - como ocorre no caso de fazer apenas a pesquisa quantitativa para imediatamente compreender um fenômeno social cultural 2. No caso do conhecimento geral, ou seja, quando o pesquisador generaliza e com isso paralisa a continuidade do pensamento científico - como acontece no caso do pesquisador fazer apenas a pesquisa quantitativa de um fenômeno, ignorando os aspectos sociais, políticos, econômicos, históricos, culturais; 3. No caso do substancialismo, ou a atribuição de diversas qualidades, até opostas, a um mesmo objeto ou também quando faz- se corresponder ao todo, a qualidade de uma "substância" - como ocorre no caso dos assessores/ orientadores que consideram que todos os seus alunos são incapazes de fazer uma tese; 4. Quando o "animismo" ou a intuição, é aplicada aos mais variados fenômenos que fazem parte da própria atividade cognitiva, dificultando a abstração e a construção dos objetos teóricos da ciência, como ocorre quando se realiza a pesquisa quantitativa apenas, sem os aportes dos estudos das áreas humanas e sociais.

Para superar os obstáculos epistemológicos, Bachelard diz ser necessário viver um processo, com fases que levam ao pluralismo filosófico, numa coerência racional. São fases, do realismo ingênuo, o empirismo, o racionalismo tradicional, ao racionalismo complexo e dialético ou "sur- racionalismo", em analogia com o surrealismo da arte. No caso peruano, a proposta de formação do espírito científico apenas pelo método quantitativo, evidencia a problemática da preservação de um imaginário científico que pela lógica de quantificação mantém as Ciências Humanas e Sociais fechadas e fragmentadas dos sistemas internacionais de que fazem parte.

Segundo Bachelard (1979), a filosofia do conhecimento científico precisa ser aberta à complexidade da vida mesma. Realiza-se em primeiro lugar, num fluxo livre, reconhecendo que a maneira de conhecer resulta da evolução do espírito, da capacidade do sujeito de conhecer. Em segundo lugar, considerar que essa evolução não é linear nem perene, que aceita variações e erros, pois em terceiro lugar, o espírito que constrói a si mesmo e ao mundo, trabalha sempre no desconhecido, já que em quarto lugar, o novo sempre recusa os conhecimentos estabelecidos, como condição para a criatividade e surgimento da inovação. Em quinto lugar, para o espírito recusar o estabelecido, a dialética busca novas evidências, criar, inovar enriquecendo as experiências empíricas.

Nesse sentido, o sociólogo peruano Aníbal Quijano (1930-2018) defendeu a necessidade de promover a descolonização dos saberes (2014), considerou que no século XXI culmina o processo eurocentrista que começou com a constituição da América, do capitalismo colonial, moderno, seu padrão de poder com a ideia de raça superior e a manutenção da ignorância do povo como eixo fundamental, a ser superados.

Com base nas relações de poder identificadas por Quijano (2014), analiso o impacto do processo de colonização de saberes pela primeira universidade das Américas, a Universidad Nacional Mayor de San Marcos, fundada em Lima, em 1548, como lê-se atualmente em seu portal, para "responder ao objetivo de manter e garantir a ordem colonial". Há poucas mudanças no contexto atual da pós-graduação, para onde a verdade foi sempre importada da Europa e dos Estados Unidos, como combateram Mariátegui (2005) e César Vallejo (2007), as verdades que para cá vieram eram consideradas de valor universal, fixas, duais, superiores aos conhecimentos das civilizações locais, substituídos pela religião e a submissão.

O conhecimento ancestral transmitido oralmente, os desenhos ilustrativos, as descobertas arqueológicas do século XX são o esforço de recuperação da história. Porém na universidade, a autoridade acadêmica em última instância, ainda é considerada não a que se distingue pelo conhecimento científico, mas a indicada pelos jogos de poder político e interesses dos países financiadores da educação. Diante de tanta "estabilidade", quais são as nossas incertezas? Criou-se        uma    desconfiança generalizada que dificulta sobremaneira a produção de conhecimento científico, com os docentes sustentando crises éticas.

Este fato, exemplo comum na América Latina, ainda em processo de dependência financeira, mantém a relação assimétrica entre os países. Baseada na teoria e metodologia de Gilbert Durand (2002), percebo que na trajetória antropológica, por um lado mantém-se a formação do pensamento epistemológico cultural moderno, positivista, gerando pressões, fragmentações, injustiças sociais e inconsistências (Sanchez, 2022a). Os tipos de exigência e competitividade requisitados pelo mercado de educação, afetam a epistemologia cultural local, o discurso, a saúde mental dos professores, gerando o estresse emocional, como no mito do castigo de Sísifo: ele deve levar uma pedra grande e pesada sobre os ombros até o pico de uma montanha, porém antes de chegar ao pico, a pedra cai e novamente ele precisa subir.

O cumprimento de metas, reuniões frequentes, novas táticas, modelos, estratégias de ensino, orientação a alunos sem a justa remuneração, resultam em contradições, frustrações, rituais de corrupção entre docentes e seus alunos, os mitos de representação a que se refere Corinne Enaudeau (1999) pela vaidade, a soberba, a venda de projetos, provas, teses, diplomas, títulos. As simbologias (Bourdieu, 2018) carregadas de significado à sombra do egoísmo, individualismo, ameaças, assédio moral, sexual e cultura de silêncio epistemológico.

Porém o tempo do pensamento científico e do pensamento político são diferentes. No campo político a velocidade do discurso e do impacto simbólico é imediata, fundamental para as consequências que serão percebidas algum tempo depois de realizada a ação dos grupos de poder e suas ações, de acordo com seus critérios. O tempo do pensamento científico tem outro padrão, outra lógica: são anos dedicados ao estudo teórico, à pesquisa, à reflexão cuidadosa. A vocação científica se realiza pelo planejamento do tempo para a melhor realização de projetos, a continuidade dos programas de formação e extensão. No caso peruano, a própria estrutura social e intelectual, de profundas distâncias entre classes sociais e raciais, se reproduz na universidade (Bourdieu, 2013), naturalizando situações perversas.

Durante a experiência na Universidade "A", logo após constatar as necessidades de mudanças e estudar com o diretor acadêmico a possibilidade de mudar o currículo da pós-graduação, de lato sensu para "stricto sensu", apresentei o projeto ao conselho  diretivo em três ocasiões durante o ano de 2006, 2007, 2008. No entanto, não sendo autorizado, nasceu a disciplina Assessoramento para Tese 1 e 2, supondo orientação geral para todo o grupo de alunos. Foi um progresso?

Recentemente, entre 2021 e 2023, tenho apresentado o projeto para mudança curricular da pós graduação de lato sensu para stricto sensu e não tem sido autorizado. A instrumentalização da cultura educativa de pós-graduação encerra uma relação perversa, na etimologia da palavra de origem latina "pervertere" levar ao caminho dúbio do mal. Ou como explica Zizek (2014), nesse tipo de relação na qual o pai reina, o nome "pater", é o agente primordial, vaidoso da lei simbólica. Como perversão mais radical, na analogia da palavra apenas o "pai", que tem título de doutor, sabe, conhece, detém o poder de decidir o que é e o que não é conhecimento e esse é o seu prazer. Nos seus efeitos, o aluno matriculado paga uma mensalidade para a instituição pública, assiste às aulas, trabalha durante anos sem um orientador, às cegas, adivinhando o método científico.

Nos quadros a seguir, demonstro o fluxo de 423 ingressantes no mestrado da Universidade "A", em Lima, no período de 2002 a 2006, com apenas 20 defesas de "tese", o nome "tese" é erroneamente aplicado ao estudo final da graduação, licenciatura, mestrado e doutorado. Em 90% dos estudos- pesquisas analisados na biblioteca da instituição, nenhum apresentava discussão teórica, o objetivo do estudo limitava-se a descrever o objeto estudado, nenhum contribuiu efetivamente para o avanço de estudos nas ciências (Sanchez, 2022b).

Sabendo que o texto social não é somente algo a ser “construído”, mas que é também "dado" (Maffesoli, 1998), observo que a construção mental conservadora (Bourdieu, 2014) no âmbito da ciência priorizando interesses políticos na educação, mantendo a esquizofrenia social.


RESULTADOS

O resultado das quatro experiências demonstra que no Peru, conhecer é um tipo de poder político. Sendo necessário perceber a ciência como autoconhecimento, auto amor, autonomia científica, amor à comunidades e em especial ao mundo antigo, visto com o respeito que merece a sua filosofia ética e não mais como um elemento perdido no passado. Pouco a pouco na epistemologia cultural percebe-se que o esquecimento dos saberes ancestrais pode ser retomado para pensar um futuro holístico, não porque assim deve ser, mas porque podemos empenhar-nos juntos, a mover a vida social com princípios éticos, o yanapay, sendo solidários para chegar ao allin kawsay, o bem viver para todas e todos.


CONCLUSÃO

A fragmentação na percepção dos fatos sociais, observada no período de 2005-2007, e novamente no período 2021-2023 na formação de docentes- pesquisadores peruanos pode ser superada, tratada pelo fazer ético da ciência complexa, consciente (Edgar Morin, 2007). Nesse sentido, proponho (Sanchez, 2022a; 2023) adotar a metodologia da pesquisa qualitativa holística, o princípio holístico da cosmovisão andina "eu sou se você é", "eu vivo se você vive", princípio de solidariedade Yanapay, para a realização do Allin Kawsay ou bem-viver espiritual para todas e todos.


Concluindo, acredito que os peruanos, que há mais de 5.000 anos desenvolvemos conhecimentos da estética, arquitetura, matemática, astronomia, engenharia hidráulica, engenharia agronômica, metalurgia, medicina, urbanização, tecnologia têxtil, joalheria refinada e muito especialmente princípios morais e éticos, precisamos revisitar a humanização das nossas inovações de outrora.


Considerando o objetivo proposto (Sanchez, 2023) de discutir sobre a problemática da produção científica de pós-graduação em Ciências Humanas e Sociais no Peru, que na atualidade, ano 2023, se mantém apenas pela lógica de quantificação, racionalista, "neutra", a mesma observada na primeira experiência que compartilhei em 05 de dezembro de 2007, pergunto: como o fato de as pesquisas atuais limitarem-se ao paradigma da pesquisa quantitativa em todas as universidades públicas do país, influi para manter a fragmentação de ideias, a ambivalência, o desconhecimento das próprias potencialidades, dos docentes-pesquisadores e alunos, impossibilitando ações de responsabilidade socioambiental, do acompanhamento das políticas públicas e a ética filosófica?


Finalizando, longe do egoísmo, o individualismo e o desencanto, acredito que o despertar da dignidade da filosofia e da história coletiva possa integrar a ciência humana, social, da educação do futuro em qualquer país que se proponha olhar de frente as verdades passadas, resolver as emoções ressentidas que se deixavam à sombra do desconhecido. No caso peruano, expressar as riquezas das nossas realizações passadas, as generosidades pontuais em áreas de conhecimento integrado às necessidades afetivas, holísticas, humanas.


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Fuentes de financiamiento

La investigación fue realizada con recursos propios.

Conflictos de interés

La autora declara no tener conflictos de interés.

Correspondencia

Janina Moquillaza Sánchez

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